sábado, 20 de julho de 2013

CONVERSA DE SÁBADO À NOITE

—Rospo! Auahihuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu!
—Que alegria, Sapabela! O que a fez assim tão fabulosa?
—As fábulas, Rospo. As fábulas! Hoje é sábado! É noite de sábado!
 —Que maravilha, querida!
—Não vai me convidar para nada? Um garapa ao luar azul da praça, um licor na Magnólia, uma conversa descompromissada...
—Claro, eu a convido para...
—ACEITO!
—Você é maluquinha, não é?
—Eu me esforço, Rospo!
—Tem uma coisa que falou que discordo.
—Discorda?
—Digo corda, cordel...
—Do que se trata tal referência, amigo?
—Gostei de sua pose, querida. Mãos na cintura. Pois bem, veja só: ao dizer "conversa descompromissada" enganou-se.
—Auahihuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu!
—Que alegria súbita é essa?
—Adoro me enganar. Só não gosto de ser enganada, mesmo assim voto.
—Pois bem, toda conversa é compromissada, tem pelo menos o compromisso da alegria. O que falta no mundo do brejo é conversa. Na falta de conversas, os sapos falam demais. E acabam falando o que não devem nem precisam... Por isso a conversa é saudável e necessária: com ela evita-se o desperdício da fala vazia, sem rumo...
—Rospo, você vai fundo.
—Sempre!
—Olha!
—Sapabela, digo algo: só tenha medo de brincadeira. Se não tiver segurança com seu amor, é bom resolver isso logo.
—Um  grande amor...
—Pleonasmo. Todo amor é grande em si, e por si.
—Rospo, estou assanhada de conversa. Diga uma coisa: quem leu Literatura Infantil na infância tem a probabilidade de ler uma obra universal qualquer tipo "O Elogio da Loucura", por exemplo?
—Erasmo de Roterdã. A bondade nasceu com ele. Ele é o fundador da bondade...
—Ele organizou através de si a bondade.
—Ninguém disse isso na PUC, nem na USP...
—Ninguém estava aqui conosco conversando, não é, meu caboclinho? É bonito isso?
—Gosto mais do "Meu nego". Isso é encantador pois revela a criatividade amorosa da voz popular... É pura cortesia da alma linda do povo do brejo. Nas andanças da oralidade mil parlendas encontrei... Vi pelejas alegrando os sapos dos povoados, vi Zé Pretinho desafiando Cego Aderaldo...
—Essas almas todas formam um mosaico de lendas que estilhaçam a voz do Brejil em mil alegrias. Feliz daquele que ousou. Isso sim é ousadia de viver! Estar na alegria da voz que vem das lendas...
—O quintal de Solano Trindade...
—Essa conversa está me deixando feliz de ficar ao léu... E eu mesma respondo: quem leu sim Literatura Infantil na infância, e leu pra valer, e teve o privilégio da oportunidade de ler os clássicos da Literatura Infantil sem nenhum adulto para atrapalhar, terá sim uma probabilidade maior de ler os grandes clássicos da Literatura Universal, da Filosofia... Com certeza... Não terá como escapar da única riqueza infinita, que é a Literatura...A Literatura é o que se lê, é a Filosofia, a Poesia... Sei que temos imensos castelos de teorias, mas para mim a Literatura é tudo isso, e tudo isso é a vida na sua extração mais espetacular... Sim, pois é um espetáculo... Como a vida. A vida é um espetáculo. Um menino sapinho se tiver a chance de olhar um grilho molhado numa tarde chuvosa, se conseguir alcançar, decifrar o grilo entre as folhagens, se conseguir isso de sua vidraça, e também descobrir subitamente o arco íris nas gotículas que deslizam no vidro, estará diante do espetáculo infinito da vida, do mundo, que sempre monta seu picadeiro dourado nas páginas de um livro.
—Felicidade de papel de seda colorindo o azul celestial.
—Rospo, você é feliz ao ver as coisas que passam?
—Recentemente vi uma menina, uma sapinha lendo um livro e os dois autores eram meus amigos no Facebook...Disse isso a ela, mas não houve um esboço de interesse.
—Sofre com isso?
—Não, Sapabela. Mas sou feliz demais.
—Sabe, Rospo, Platão inventou o diálogo porque a mudez não mais cabia, e Jorge Luiz Borges trouxe as belas imagens da sua literatura em sua cegueira.
—O segundo cego da conversa, Rospo.
—Cegos sim, mas repletos de luzes. Entra o Glauco?
—Sim, naturalmente! Chegou!
—Magnólia! Querida Magnólia! Aqui seremos e aqui estaremos, e um dia alguém ativará algum risco de memória e dirá: eles estiveram na Magnólia.
—Rospo, só tenha medo de brincadeira. Você jamais me perderá. Seremos amigos porque somos amigos...
—Sapabela, preciso dizer algo.
—Diga, que me esbaldarei contemplando os vitrais da placenta do seu dizer.
—Quando olho para a imensidão da quietude do brilho das estrelas, e penso que um dia irei embora, sinto uma certa angústia, um certo sentimento de solidão ainda maior, e então, sinto o retorno desesperado da necessidade de literatura.
—Rospo, licor de anis, por favor.
—Yupiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!

ROSPO 2103 —884
Marciano Vasques

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